sábado, 23 de junho de 2012

O LENDÁRIO SÃO JOÃO DO CÓRREGO DOS RODRIGUES





Não sei se lembrarão, mas houve tempos em que São João era o do Córrego dos Rodrigues. Festa de larga tradição, a mais concorrida das terras aracatienses, aguardada ano após ano. O arraiá armado desde cedo, duas noites de festa com bandas nos clubes, diversas barracas a vender, engarrafamento pelo grande movimento de carros e pela falta de lugar para estacionar no terreiro multicolorido com bandeirolas e faustosas fogueiras.

O profano e o sagrado consagraram as nossas festividades. A novena de São João em casa de família. A bandeira hasteada e a fogueira a queimar. A meninada se divertia com a perigosa e incômoda brincadeira de soltar bombas enquanto os pais entoavam, em latim, o hino ao santo.

Dias de reencontro, quando as comadres vinham passar dias e os amigos das localidades vizinhas apareciam já no comecinho da noite para um dedo de prosa antes dos festejos. Quando nos primeiros raios de sol os familiares de Fortaleza vinham chegando, pois afinal, era a Noite de São João.

Tempos em que o rico e o pobre dançavam a mesma música e comiam do mesmo tabuleiro. Anúncio nas rádios, movimentação na semana anterior. Todo o Aracati queria saber qual era a banda a tocar no São João do Córrego.

Não havia quadrilha melhor do que a nossa a ostentar a tradicional chita e as calças enfeitadas com retalhos. O casamento era matuto. A música era matuta. Ainda se ouvia expressões como “anarriê”, “avancê”, “balancê”, declamadas por um apresentador acaipirado do jeito que o povo gosta(va).

Noite dos namoricos escondidos e das oportunas declarações de amor. As moças a preparar seus melhores vestidos e os rapazes a capricharem no visual. Tempos em que o modelo da roupa era segredo de Estado guardado até mesmo da melhor amiga. Visitas sistemáticas às costureiras do lugar que faziam serão para terminar todas as encomendas.

Dias de promessas ao santo, para casamento bom com moço direito. As casadas se ocupavam na arrumação da casa e os maridos a pintar a fachada.  Na cama, a roupa engomada da família prontinha para usar. O jantar era cedo, pois ninguém queria perder nenhum detalhe da festa.

Lugar de moças bonitas, cintura fina de saia rodada a sorrir com lábios carmim rodopiando, com permissão e licença do pai, pelo salão com o moço mais charmoso. Na fogueira, milho assado, no caldeirão mugunzá, na rua o cheiro bom de pipoca e no ar, fogos a estourar.  Ah “Se São João soubesse quando era o seu dia” ele com certeza descia e viria para o Córrego.

Porém hoje, ao olhar para essas lembranças juninas, bate uma saudade tamanha daquela época. Os clubes fechados, as quadrilhas quase que carnavalescas e o medo de assalto me fazem concluir, tristemente, que nada mais resta daquele São João que será lendário e grandioso apenas por aquilo que foi. E como foi!

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